Wednesday, December 14, 2005

Ai ai ai...


Lembro-me muito bem das inquietações de Sofia, todas concernente a vida amorosa. Engraçado como mulheres se abalam tanto com seus amores, pseudo-amores, amores platônicos ou qualquer coisa que o valha.
Mas Sofia era distinta, ela me lembra de Tereza em “A insustentável leveza do ser”, talvez porque estou relendo o livro, mas alguns traços de minha Tereza – minha Tereza, pois em livros cada um imagina as personagens de acordo com suas vivências – são traços de Sofia.
Contara-me outro dia, de um homem em especial, o mais recente, Tomaz.
Tomaz era homem comum, de poucas características que Sofia apreciava – físicas e personalidade – mas era sabido, muito, objetivamente e subjetivamente. Conhecera Sofia á mais ou menos 3 meses, se encontraram num bar, era alguma confraternização de amigos que tinham em comum, não conversaram muito, mas trocaram alguns olhares. Sofia havia me dito que de primeira, não era belo, mas a sabedoria que exilava, era excitante, não tinha como evitar a contaminação.
Os encontros com esses amigos passaram de eventuais para rotineiros – exagero um pouco – e a presença de Tomaz na vida de Sofia era cada vez mais forte, e por tempo trocaram os monossílabos e sorrisos de canto de boca por conversas duradouras, profundas e sem fim.
Começaram assim um romance – não sei ao certo se posso chamar isso assim, que seria um romance afinal?! Sartre afirma que romance é qualquer tipo de admiração, carinho ou afeto, como a um professor e seu aluno, pai e mãe...(esses existencialistas fazem de tudo uma grande exuberância), então isso de certa forma é um romance...Mas isso é assunto a outra hora.
Voltemos a Sofia.
Sofia, como toda a mulher – todas sim! As que falam que não, não sentem prazer entre as pernas – é insegura, muito, e a insegurança a impedia de agir como realmente é. Podava-se para esta com Tomaz, e ele era homem comum.
Ah os homens comuns, nada mais atraente que a preocupação dos homens comuns, que não é nada, não se preocupam com nada, são comuns, comem, bebem, lêem, seduzem, conversam, dormem e acordam, arrotam. Não os menosprezo, claro que não, falo como se não tivessem nada de profundo para acrescentar, mas tem, e muito, só são como a seiva da arvore, temos que cavar, feri-los para se exporem. Nada é mais belo, mais precioso que eles. A suposta falta de interesse, o jogo de ansiedade que jogam sem saber que jogam...Ai ai, são perfeitos.
Sofia se voltava louca com Tomaz, e notara que estavam se distanciando, por fatores naturais, e pela indiferença de Tomaz.
Isso a incomodava. Lembro-me que na TPM ela me ligava, e passávamos horas a fio falando de Tomaz, e de circunstancias que passaram, prevíamos o futuro, analisávamos cada centímetro do corpo de Tomaz, cada gesto, cada olhar, até os pensamentos tentávamos decifrar, nos sentíamos verdadeiras analistas, e Tomaz estava lá, despido num divã que unia nossas linhas telefônicas... Hahaha pobre Tomaz, estava nu em nossa conexão e mal sabia, ao certo estava dormindo, vendo televisão, bem coisa de homem comum. Sofia chorava, se esgoelava, ria, fumava, era terrível, e eu como amiga, passava tudo com ela.
Foi um desses dias, quando Tomaz já estava de missão em Marte, ou melhor, em Nibirus – um incerto 10° planeta –, que Sofia resolveu mostrar quem realmente é, suas angustias e temores, pela primeira vez, ao invez de despir Tomaz, iria se despir para Tomaz.
Ligou, como se não quisera nada, o convidou para um vinho numa praça, Tomaz, como todo homem comum, aceitou o convite – homens comuns tendem a aceitar tudo.
Chegou no local, estava toda de preto, saia preta, uma sandália baixa preta, blusa preta, e como fazia frio uma scarf preta. Trazia o vinho na mesma mão que estava as duas taças, e na outra um cigarro aceso, já pela metade. Eram seus aliados por aquela noite.
Sofia o abraçou de uma forma diferente, com ânimo e desespero, como se fosse o ultimo abraço em sua vida, um ultimo suspiro, e ao mesmo tempo como um amor tardio, o mesmo que as esposas cujo os maridos vão para a guerra e depois de anos sem noticias, voltam. O abraço durou uns 3 minutos, que para um abraço parece uma eternidade. Só esse gesto - lhes asseguro - tirou Tomaz de toda sua inércia de homem comum, foi algo estranho da parte de Sofia.
Sofia falou, falou e falou, nunca havia agido assim, normalmente ela só escutava a sabedoria de Tomaz, mas esse dia não, falou de tudo que podia e que não podia, se sentiu realmente desnuda na frente de Tomaz, e não sentiu vergonha, ao contrario, sentiu à vontade como se estivesse nua na frente de sua mãe.
Hahaha consigo recordar da alegria de Sofia me contando essa historia pelo telefone, foi um desabafo enorme, como se a agonia de uma espinha de peixe presa na garganta tivesse sido removida depois de consecutivas tosses e anciãs de vomito.
Voltando...Tomaz se assustou com aquela nova Sofia, tão original e espontânea, com o cigarro na mão – uma surpresa porque não sabia que fumava – querendo ser misteriosa com suas vestes pretas, agia como se estivesse de salto, mas estava numa simplória sandália de laços. Tantos sorrisos e falações corriqueiras, não calava a boca nenhum momento, meio desajeitada, soluçava alto, nem arrumava o cabelo – antes a insegurança era tanta que a todo momento colocava uma madeixa atrás da orelha esquerda. Sofia se sentia bem, mas Tomaz um pouco envergonhado, não sabia como reagir aquela nova Sofia. Creio eu que teria que deixar seu homem comum de lado e fazer algo diferente, o que é bem difícil para um homem comum.
Sofia notou o espasmo de Tomaz, ele não acompanhava seu ritmo, estava realmente assustado e paralisado, ela se calou, deu uma risada singela, mas verdadeira, colocou uma madeixa de cabelo atrás da orelha esquerda, olhou para Tomaz e disse “Tenho que ir”.Tomaz pediu para que ficasse mais um pouco, aquele sentimento nele era novo, e queria explora-lo. Sofia sorriu, fez de novo o movimento da madeixa por trás da orelha esquerda, pôs sua mão fria sobre o rosto de Tomaz e deu-lhe um beijo na bochecha, desceu a mesma mão pelo ombro até o encontro da mão quente que suspirava de Tomaz, apertou-a sentindo a diferença de temperatura e aspereza das duas mãos e se foi.
Eu sabia exatamente que Sofia havia sentido naquele momento, mas é difícil descreve-lo, nem mesmo Milan Kundera conseguira, tentaria, mas não conseguiria.
Quando desligamos o telefone, pude sentir o que ela sentiu, como se Sofia fosse eu mesma, mas não sabia o significado real daquilo, do mesmo modo que Sofia não sabia que iria acontecer depois daquele noite, ou de que modo direto aquela noite iria fazer alguma diferença em futuros romances – isso ainda indefinidos –. Com certeza continuaria insegura – porque ainda era mulher e sente prazer entre as pernas – e apaixonada por homens comuns. Sempre apaixonada por homens comuns.

6 Comments:

Anonymous Anonymous said...

Hummm...

3:58 PM  
Blogger Alfred said...

Eu li...
Mas ainda não entendo sua insistência em citar a insustentável leveza do ser...
Hehehe...

Bjins

8:42 AM  
Anonymous Anonymous said...

Vc não deixa scrap pra mim, então eu tenho que ver até aqui :(

7:46 PM  
Blogger Saara said...

ai que preguica...
ela é tao grande que nem cedilha tem.

6:11 PM  
Anonymous Anonymous said...

eu sinto q todos os homens são homens comuns e nós q herdamos a complicação.

1:07 PM  
Anonymous Anonymous said...

I love this story

8:13 AM  

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