Monday, February 13, 2006

O ensaio.

II.
Odeio portas trancadas, serio mesmo. Quando amanhecia estava tudo trancando. Minha mãe tem esse problema e justifica por não conhecer as pessoas que entram e saem de nossa casa – esta em reforma a cozinha e 2 banheiros –, e também para não haver desorganização. Nada me incomoda mais que chegar na cozinha e os armários estão trancados, a porta da cozinha esta trancada, tudo trancado, me irrito tanto e desisto de comer. Saio direto de casa e tomo um capuccino no trabalho. Merda!
Outra, odeio o metrô cheio. Pessoas afoitas indo para o trabalho. Fico deprimida todo dia quando entro no metrô, mas não sei ao certo, poderia ir de carro, mas o transito na cidade é pior, e também, gosto de esta no meio daquela gente toda, ninguém me conhece, e eu não conheço ninguém, sou cúmplice deles, e por mais que me deprima, dividimos aquele nicho todos os dias. Faço questão de sentar todo dia num vagão diferente, como se estivesse confiscando algo, e para não vê os mesmos rostos.
Vê-se de tudo no metrô. Pessoas velhas, engravatados, putas, estudantes de colegial, mãe solteiras, velhos... Gosto de julgá-los, ajuda a afastar o tédio da manhã e o tempo passa mais rapido, e às vezes, dependendo do meu humor pela manhã – cujo este implica se consigo ou não tomar café em casa –, começo uma conversação com a pessoa que esta do meu lado.
Conheci um dia a Sra. Marly Webber, nunca vou me esquecer daquela senhora, era alta, tinha por volta de seus 45 anos, meio corcunda, cabelos vermelhos com raízes braqncas entre alguns fios negros, tinha um narigão e os lábios finos, seu rimel havia escorrido um pouco, isso acentuava seus olhos cansados. Estava com um vestido aveludado roxo, longo e com sapatos de palhaço, e seu estomago urgia terrivelmente. Era uma obra de arte.
“Esta bem cheio hoje esse metrô, não?!” Eu disse. Sempre começo conversa com estranhos com coisas obvias, acho que isso vem de meu avô, ele sempre faz isso, mas gosto do modo como ele fala. “Sim está, e eu me sinto mal com isso, também estou morta de fome” disse Sra. Marly.
“Eu também estou com fome. Acho que todo mundo desse metrô esta com fome. Todos saem correndo de casa para não perder o metrô. Eu nem em casa estava, estava de plantão”.Eu disse.
“Concordo! Plantão?! Que faz?” Ela disse sorrindo, seus dentes eram amarelados, deduzo que vinha do cigarro e do café. A palavra plantão sempre instiga as pessoas.
“Ah, eu faço serviço social numa clinica mental, passei a noite acordada conversando com um senhor, Sr. Betone, é francês e jura que é amigo intimo de Sartre. Não sei como veio parar aqui em nosso país. Sabe, os loucos são muito carentes, precisam só de atenção.” Eu disse bem séria, como se fazer seviço social em manicômio fosse algo como fazer advocacia.
Ela ficou quieta por uns segundos e logo em seguida seus olhos se encheram de lagrima e disse “Meu pai pensava que era amigo intimo de Sartre também... Me perdoa, é que sempre fico emocionada ao pensar em meu paizinho. Ele era musico, tocava violino divinamente bem, mas era um homem miserável, rebelde e fanfarrão, minha mãezinha sofria muito ao seu lado, e ele desejara somente a morte dela.”.
Me deu vontade de rir, mas me segurei. Me senti mal de ter despertado esse sentimento na Senhora que mal conhecera. Minha mãe sempre diz que não me importo com a desgraça alheia, e tudo sempre é motivo de riso e chacota. Nesse exato momento lembrei dela, e pensei como me reprimia em mentir e de despertar tais sentimentos na pobre senhora.
“Me perdoe”.Disse ela mais uma vez, secando o lagrima que estavam quase para cair. “Meu nome é Marly Webber, prazer!”. “Eu sou Anieta Stelda, prazer! Me perdoe, não queria lhe fazer choramingar. Mas quero lhe certificar de uma coisa. Os velhos gostam de suas fantasias, eles não chamam de doença, mas de sanidade, é muita vezes o que as fazem viver entre nós por mais tempo. Me encanta Sr. Bretone, e suas estórias sempre me fascinam. Seu pai também deveria de ter estória fascinantes.”
Ela sorriu, me fez uma caricia com seu olhar meigo. Estava mais reconfortada. “A próxima parada eu desço, prazer Anieta! Nos encontramos outro dia no metrô, e com fome” Sorriu mais uma vez e se levantou. Realmente era muito grande.
“Ciao, Marly! Vou falar ao Sr. Bretone sobre você e seu pai, ele vai gostar”.
Nunca vou me esquecer de Marly, ela quase me fez parar de mentir. Quase!

Monday, February 06, 2006

O ensaio.


Já fui mencionada antes, e em português, por isso sigo assim.
Como começar um texto, ou lá sei bem que isso será, com algo assim? Podia me dar o luxo de começar com algo filosófico, expor um problema, e depois jogar possíveis hipóteses para solucioná-lo. Ou começar pelo começo, onde nasci e minha infância, mas isso constrangeria muita gente e até eu mesma. A verdade é que nada disso é interessante, então deixo como esta.
Em português.
Isso tem tempos, alguns anos até. Estávamos todos juntos na casa de uma amiga, Catarina, sempre nos reuníamos lá. Catarina é uma dessas pessoas bem humorada, limpa e super organizada, e que nunca cede a um assunto que não lhe interessa. Se for algo extremamente chato, com pseudo-intelectuais, que fingiam saber de algo e queriam esbaldar um conhecimento chulo com palavras difíceis, e que sempre entravam em contradição, onde estava clara a raiz socialista, onde era mencionada mitologia grega erroneamente... bem, coisas do gênero, ela logo fazia uma cara de entediada, franzia a testa, virava os olhos e depois olhava para mim, compartilhávamos esse sentimento de tédio e certa pena dessas pessoas, que eram nossos amigos.
Catarina e eu somos muito amigas, pensamos da mesma forma em certos assuntos e outros, discordamos totalmente, mas como esses são pequenos, não nos incomoda a discordância.
Nem lembro um dia se quer onde discutimos, acho que nunca. Houve época que não nos falávamos, mas nada planejado, só acontecia, mas logo depois quando nos falávamos, esse intervalo deixava de existir.
Amava a casa de Catarina, me sentia uma anfitriã, mesmo a casa não sendo minha, ajudava com a comida, e tudo, como se fossemos as duas oferecendo a casa. Sempre gostei de cozinhar, desde pequena inventava coisas, doces e salgadas, para não ficar entediada. Fingia esta apresentando um programa, ou fazendo algo especial para a noite, que foi encomendado por alguém. Parece bobo agora mencionar isso, mas me divertia muito.
Ouvíamos a um cd que eu acabara de fazer, estava contrariada porque havia uma faixa que pulava, acho que era da 6 para a 7, a 6 terminava antes e a 7 estava só a ultima metade. Fiquei puta com isso, porque tinha acabado de fazer o cd e levei pra ouvir. Enquanto o povo conversava, eu não parava de prestar atenção no cd, observando se as faixas estavam certas e se a qualidade ficou boa. O cd tocava normal, mas a merda da faixa 6 para 7 não saia da minha cabeça. Parei um tempo com essa nóia e voltei a prestar atenção a mesa.
Lia havia cometido o erro – pra você pode não ser um erro, mas para mim é – e começou a falar sobre o complexo de Édipo, relatando como ele explicava o homossexualismo. Foi algo absurdo de se ouvir, em miúdos, Édipo matou o pai e casou-se com a mãe, tudo sem saber. Lia traçou um paralelo doido e surreal, nem me importei em ouvir a explicação, porque Catarina me olhou como relatei antes, dei um sorriso, e continuei pensando na bosta da faixa 6 para 7. Talvez seria mais produtivo que escutar Lia.
Os constantes “hmmmmms” de Tomas desconcentravam meu martírio pelo cd não ter dado certo. A cada palavra de Lia, havia uns 2 a 3 hmmmms.
Tomas tinha seus 23 anos, era magro, tinha os cabelos castanhos escuros, com alguns fios brancos somente do lado esquerdo, os olhos fundos, verdes escuros, não era muita coisa, mas tinha seu charme, e as vezes, confesso, me deixava doida. Era super atencioso, até demais.
Depois do seu belo discurso, Lia se calou um pouco e deu um gole na sua água. “Interessante o que disse, Lia” – disse sem transparecer muito que não havia prestado atenção numa só palavra. Eu faço isso às vezes sem perceber.
“Concordo. Um dia minha professora de antropologia falou algo parecido, mas eu mal prestei atenção no que dizia, estava com a cabeça longe” Catarina disse reprimindo meu comentário. Ela me conhece demais. “Já pensou em dar aula Lia?”.
“Nunca, não agüentaria! Não sei como agüenta dar aula, ainda mais de francês, porque uma coisa é falar de alguma matéria, de algo que se sabe, e outra é ensinar um idioma.” Lia viva falando coisas obvias.
“Eu sei, mas a grana é boa, e gosto de falar francês. A gramática me mata, mas a literatura, é angelical, amo!”.
Catarina sempre usava adjetivos bem distintos, uns eram incompreensíveis, esses ela gastava pelo menos 5 minutos para explicar, outros eram super apropriados, outros aceitável, como esse ‘angelical’ aí.
“Tenho pena dos alunos da Sô, serio mesmo, consigo imaginar muito bem como suas aulas podem ser.”
Sorri! “Minhas aulas são boas, normais, não sei. Acho que quando entro naquela sala de aula, eu me transformo, viro uma outra Sofia, não sei explicar, sou bem mais sociável, sorridente e paciente, e isso não me incomoda, até gosto, e posso inventar muita coisa”.
“Imagino” disse Tomas, “Do modo como ama inventar coisas e situações, deve ser um ambiente bem propício mesmo, deve ser um ectasy natural”.
Eu sou a pessoa mais mentirosa que você possa vim a conhecer. Não é por maldade, nem nada assim, mas acontece, quando vejo sai algo da minha boca que depois, quando vou pensar sobre que falei realmente, me impressiono, penso “Meu Deus, isso não foi nem remotamente verdade”.
Todos da mesa me conheciam bastante. Pudera, eu não sou uma pessoa nada difícil de se conhecer. Lia e Catarina com certeza me conheciam mais, fomos ao colegial juntas, e Tomas conheci através de uns amigos do colegial também, que acabei me tornando mais amiga dele do que dos próprios de minha sala.
“Isso acontece comigo também no escritório” Lia disse, “O Dr. J vem falar comigo de algum processo ou algo, eu mal sei da procedência das palavras daquele homem e só balanço a cabeça concordando e falando ‘Claro Dr. J, claro, esse que é o procedimento.’, ele sorri e sai. Funciona!”.
Lia trabalha num escritório de advocacia, ela simplesmente ama seu trabalho. Mais que qualquer outro da mesa, posso garantir.
“Viu, eu não sou a única!” Eu disse.
Eu justificava minhas mentiras para meus amigos, como algo involuntário, como realmente é, mas jogava para cima de livros. Eu sempre li, desde pequena lia uns livros fininhos que mamãe trazia algumas vezes na semana. Eu lia e depois os rabiscava. Depois no colegial, também li muito, li livros até que diziam não ser para a minha idade. Uma coisa não tem nada a ver com a outra – palavras de Lia vindo ao meu pensamento –, leitura não justifica mentiras e fantasias, mas quando falava isso, todos se saciavam com aquela explicação, então como era de aceitação unânime, eu deixava daquela forma mesmo.
“Mas a Sô é mestre”, continuou Lia “Ela convence qualquer um. Como ela mesmo diz, é involuntário. Ela mente com tanta calmaria e espontaneidade que parece verdade mesmo, não da para diferenciar. Eu nem me importo mais, sendo verdade ou não, é bem inventado”.
“Como trabalha essa cabecinha hein?!” Tomas disse, sorrindo olhando para mim, e passando a mão na minha cabeça. Eu amo quando ele faz isso.
O cd estava acabando, já estava na ultima musica, e quase no final. Esqueci um bom tempo das faixas que pulavam a musica, mas quando notei que o cd estava acabando de tocar, lembrei sem dar muita importância. Sabia que depois dali, sairia direto para casa.
“Cat, amei a comida e o convite, mas to cansada, amanha tem aula, que já não agüento, e depois tenho que ir pro escritório um pouco mais cedo”. Lia era com certeza a mais responsável de todos que conheço e mesmo amando o trabalho, às vezes falava dele como um fardo. Penso que fazia isso porque fazíamos o mesmo, eu e Catarina.
“Vamos então?” Eu disse, me direcionando a Tomas, ele estava comigo de carona.
“Vamos!” Disse Tomas.
Eu, como era anfitriã, ajudei Cat com as coisas, desarrumei a mesa enquanto ela se despedia de Lia com a porta entreaberta, e Tomas pegava o cd.
Finalmente saímos, e entrei no carro reclamando sobre a faixa que pulava, de alguma forma isso voltou a minha cabeça. Creio que era porque ele segurava o cd.
Tomas é muito gracioso, serio mesmo, não existe ninguém como ele no mundo. Com certeza você gostaria dele, serio mesmo. Enquanto eu falava indignada sobre o cd, ele sorria para mim, com uma cara de quem me chamava de bobinha, mas com estima.
Me calei depois, ele sorriu e disse “Que tem para fazer amanhã”? Ele bem sabe de minha rotina, mas da mesma forma respondi “Amanhã pela manha, tenho 3 aulas para dar, depois fico no Café até mais tarde, e pela noite, universidade”.
Tenho um Café com minha irmã Maria.
“Hmmm”. Tomas amava os hmmms.
Depois que ele perguntou, realmente pensei no próximo dia, pensei em minhas aulas para ser mais precisa, tentando imaginar que alunos teria amanhã, e se veria Mateo.
Não sei porque, Mateo sempre vinha a minha mente quando pensava em meus alunos. Na verdade sei sim, gostava do senso de humor do garoto, e era bastante atraente ao meu ver, tinha um pouco de Tomas nele, mas era mais alto, portanto mais magricela que Tomas. O cabelo era menor, e creio que não tinha cabelos brancos, não sei ao certo, talvez sim. Dizem que aos sérios e calados os cabelos brancos lhes aparecem mais rápido. Tinha uma atração reprimida por Mateo, a verdade é essa. Reprimida porque é um absurdo um professor com um aluno – às vezes exagero meu pudor – e ele nem era formoso, era interessante, mas não tinha muita formosura.
Chegamos à casa de Tomas. Encantava-me aquela casa, tinha a frente um portão simples, preto, mas a frente da casa era lilás claro, com a porta e as janelas num tom de azul. Era graciosa.Nos despedimos e depois de 5 minutos estava em casa, exausta pelo vinho e chateada pelo cd, e aborrecida pelo pensando de milésimo de segundo que tive a respeito de Mateo. Um absurdo seria, ele tinha como 18 anos, estava no ultimo colegial, e eu 22.