Depois de ir atrás como uma louca das meias que havia usado na noite anterior, e as encontrei, porém não estavam onde as deixei, estavam dentro da bota que usei há mais ou menos 3 semanas, quando sai fugida da festa dos desquitados do meu ex noivo Alberto. Sem ligar muito para o mistério das meias, decidi que no dia seguinte confessaria à Martin a verdade universal.
Martin sempre usava as meias trocadas e estava em uma crise existencial constante des da separação com Lia, sua esposa, e do término da banda de soul que tinha com seu ex cunhado, bem, término por parte dele porque a banda continua e muito bem com a gravadora nova.
De 3 anos pra cá Martin se tornou um fazedor de teorias, mas como teorias não põem mesa, ele dava aulas de inglês particular para umas pomposas na Barra e traduzia alguns textos para nosso amigo em comum Scott, que trabalhava no consulado americano no Rio.
Meu amigo não precisava de muita grana, por isso compreendia sua fazeção de teorias. Seu pai quando morreu deixou uma pensão que o proporcionava um salário de 3 mil reais por mês e além disso um apartamento de 2 quartos no Leme.
Somos amigos a sete anos e ainda não o conheço, e não sei se tem o que se conhecer em Martin, mas gosto da sua companhia, e dependendo do teor alcoólico da bebida até o ajudo com suas teorias.
Agora com os pés já aquecidos não conseguia dormir pensando em como abordaria Martin para lhe falar sobre a verdade universal. Essa preocupação me deu mais uns 5 minutos de indignação e depois caí no sono.
Lá pelas 17hrs encontrei Martin e Clara, nossa amiga jornalista que trabalhava na globo, para irmos à exposição de quadrinhos espanhóis ao lado da Biblioteca Nacional e depois ir para o loft de Clara para beber e jogar conversa fora.
Eu: Me impressiona como Clara ao chegar em casa vai direto pro computador ver se o namorado americano lhe escreveu algo.
Martin: Clara sempre foi assim, controlada pelos homens. Ela é bonita demais.
Eu: Concordo. Como ela não vai sair do quarto tão cedo vamos nos servir.
Martin: Quero aquela margarita que só você sabe fazer.
Eu: Ok, escolha a musica.
Bebemos o primeiro copo cheio ao som de Mick Jagger e Jimi Hendrix cantando Foxy Lady. Eu era Jagger e Martin Jimi, rebolávamos com controles remotos enfiados na boca e na outra mão a taça salgada de margarita. Depois de oito minutos de gritarias, risadas, falinhas em inglês, cabelos nos ares e quadril quebrado caímos de uma vez no sofá da Clara, ofegantes enchendo a casa de gargalhadas retardadas e cheiro de álcool. Clara nem sequer se ofereceu para ser nossa baterista.
Depois de recuperar o fôlego, ainda contagiada pela musica e sorrindo, perguntei:
Outra?
Martin: Claro! Ei, quero te perguntar algo. Você não me disse como foi a festa dos desquitados do Alberto.
Eu: Terrível! Havia somente cinquentões falando de golfe e política, aparentemente somente 1/3 da festa era desquitada, deveria ter ido comigo. Desconfiei que o real propósito do meu convite fosse que Alberto queria me apresentar seu namorado.
Martin: E como era?
Eu: Bonito, mais bonito que Alberto, devia ser um quarentão ainda. Bem, não esperei a festa terminar e fugi de lá, peguei o ultimo ônibus que saia de Teresópolis e cheguei em casa mais ou menos 2 da manhã e capotei.
Martin: Como se sente?
Eu: No outro dia ele me ligou, falei que saí em desespero porque Clara ligara minutos depois que ele me apresentou seu namorado para me dar a noticia de que estava grávida e prestes a se matar.
Nos dois rimos descompensadamente.
Martin: Bem típico da Clara isso, ele não deve ter desconfiado de nada.
Eu: Não mesmo.
Martin: Esse é o problema hoje em dia, as relações interpessoais estão ficando cada vez mais superficiais, porque todo mundo conhece todo mundo e não se têm mais tempo de conhecer um a fundo porque há mais mil pessoas para se relacionar de uma maneira trivial.
Eu: Martin, quero lhe contar a verdade universal.
Martin: Isso existe? Perguntou debochando.
Eu: Existe sim e descobri ontem, depois da janta na casa da Maria.
Martin: Sou todo seu.
Sabia que não me negaria esse prazer de ser eu, pelo menos em uma de nossas conversas, que iria ditar o assunto a ser discutido e falar de uma teoria pautada com antecedência.
Eu: Porque as pessoas que ganham mais grana são as que menos ajudam a sociedade? Ou são as que menos estão ligadas a sociedade?
Martin: Políticos?
Eu: Não, a indústria do entretenimento. Esse povo ganha uma puta grana e gastam com bolsas e sapatos e outras coisitas que seu dinheiro pode comprar, nada contra isso, alguns ajudam, eu sei, mas a questão não é essa, é somente eles ganharem mais. Enfermeiros ganham pouco, médicos ganham menos que eles, professores, motoristas, até os políticos, se for pensar no salário estabelecido, também ganham menos.
Martin: Concordo e estou te entendendo, prossiga minha cara.
Eu: Bem, porque isso?
Martin: Por quê?
Eu: Porque o resto são todos espectadores. Somos uma massa de espectadores. Assistimos as novelas da globo, pagamos o ingresso pro cinema. Eu compro o meu cd do Rolling Stones que custou R$ 30 e o filho do zelador aqui do prédio da Clarinha também escuta o mesmo Rolling Stones, mas ele pagou R$10,00 por 3 CDs lá na praia.
Martin: Ótimo, prossiga minha querida. Outro copo?
Eu: Aham, por favor. Então Martin, porque isso, porque eu compro você compra e o filho do zelador compra?
Martin: Porque?
Eu: Porque amamos o drama. Vivemos pelo drama. Respiramos o drama! O drama é tudo, é a intriga, é a musica de amor, é o ódio, é o rap da favela, é a mentira do político, é o pão francês, a novela, o racismo, as drogas, o pingado, o patrão e a empregada, o amor, o medo, a auto-ajuda, os convidados do Jô, o Titanic, o teatro da Heda Gabler, os filhos de pais separados, os filhos dos pais juntos, os filhos de Francisco, os católicos, os crentes, os obscenos e o segundo casamento. O drama é o sonho que se persegue, os 15 minutos da fama de Warhol, é a mãe solteira, é o pai desempregado, a rica metida, a pobre boazinha, a Paris Hilton sem calcinha. É a Clara e seu amor online, é você, a morte do seu pai, a saída da banda e a traição da Lia, sou eu e meu ex-noivo gay.
Martin me olhava um tanto constrangido. Suas teorias sempre o colocavam fora do senso comum, como se ele fosse um ser especial, longe de todo padrão de comportamento. Senti que usá-lo como exemplo foi uma alfinetada, de imediato me arrependi, mas logo percebi que não voltaria atrás, e alguém deveria alfinetá-lo de vez em quando.
Dei uma pausa para terminar num gole só minha terceira margarita.
Martin: E aí? - Perguntou impaciente.
Eu: E aí que é isso que a indústria do entretenimento faz, ela dá lirismo para o drama, faz o drama parecer bonito, fácil e engaçado. Vemos nossas próprias vidas sendo relatadas na televisão, no teatro, escutamos na musica de amor do Caetano ou na revolta do Gabriel Pensador. È assim hoje, foi assim nas grandes arenas romanas e sempre será assim. A indústria do entretenimento é um grande sedativo, nos faz acreditar que apesar dos pesares o drama vai passar e seremos felizes.
Martin: Um placebo.
Eu: Sim, um placebo. Mas o drama não passará, nunca, senão todos morreríamos. Compreende?
Martin: Aham, mas e aí, que faremos?
Eu: Nada! Escutaremos o próximo track do CD, satisfaction.
Martin: Sabe do que me arrependo? De não ter te beijado há 2 anos atrás na casa do Leo, naquela festinha de despedida, antes do Leo ir para Paris. E me arrependo de não ter tentado nenhuma vez depois disso.
Eu: Clara não sairá do quarto tão cedo.